Setembro passou
Outubro e novembro
Já tamo em dezembro
Meu deus, que é de nós
Assim fala o pobre
Do seco nordeste
Com medo da peste
E da fome feroz
Aos treze do mês
Ele fez a experiência
Perdeu sua crença
Nas pedras de sal
Mas noutra esperança
Com gosto se agarra
Lembrando da barra
Do alegre natal
Rompeu-se o natal
Porém barra não veio
O sol bem vermeio
Nasceu muito além
Na copa da mata
Buzina a cigarra
Ninguém vê a barra
Pois barra não tem
Sem chuva na terra
Descamba janeiro
Depois fevereiro
E o mesmo verão
Então o nortista
Pensando consigo
Diz: "isso é castigo
Não chove mais não"
Apela pra março
Que é o mês preferido
Do santo querido
Sinhô são josé
Mas nada de chuva
Tá tudo sem jeito
Lhe foge do peito
O resto da fé
Agora pensando
Ele segue outra trilha
Chamando a família
Começa a dizer
Eu vendo meu burro
Meu jegue e o cavalo
Nós vamos a são paulo
Viver ou morrer
Nós vamos a são paulo
Que a coisa está feia
Por terras alheia
Nós vamos vagar
Se o nosso destino
Não for tão mesquinho
Pro mesmo cantinho
Nós torna a voltar
E vende seu burro
Jumento e o cavalo
Inté mesmo o galo
Venderam também
Pois logo aparece
Feliz fazendeiro
Por pouco dinheiro
Lhe compra o que tem
Em um caminhão
Ele joga a familia
Chegou o triste dia
Já vai viajar
A seca terrível
Que tudo devora
Lhe bota pra fora
Da terra natal
O carro já corre
No topo da serra
Olhando pra terra
Seu berço, seu lar
Aquele nortista
Partido de pena
De longe acena
Adeus meu lugar
No dia seguinte
Já tudo enfadado
E o carro embalado
Veloz a correr
Tão triste coitado
Falando saudoso
Seu filho choroso
Exclama a dizer
De pena e saudade
Papai sei que morro
Meu pobre cachorro
Quem dá de comer?
Já outro pergunta
Mãezinha, e meu gato?
Com fome e sem trato
Mimi vai morrer
E a linda pequena
Tremendo de medo
"mamãe, meus brinquedos
Meu pé de fulô?"
Meu pé de roseira
Coitado ele seca
E minha boneca
Também lá ficou
E assim vão deixando
Com choro e gemido
O berço querido
Céu lindo e azul
O pai pesaroso
Nos filhos pensando
E o carro rodando
Na estrada do sul
Chegaram em são paulo
Sem cobre quebrado
E o pobre acanhado
Procura um patrão
Só vê cara estranha
De estranha gente
Tudo é diferente
Do caro torrão
Trabalha dois anos,
Três anos e mais anos
E sempre nos planos
De um dia voltar
Mas nunca ele pode
Só vive devendo
E assim vai sofrendo
É sofrer sem parar
Se alguma notícia
Das bandas do norte
Tem ele por sorte
O gosto de ouvir
Lhe bate no peito
Saudade de móio
E as água dos olhos
Começa a cair
Do mundo afastado
Ali vive preso
Sofrendo desprezo
Devendo ao patrão
O tempo rolando
Vai dia e vem dia
E aquela familia
Não volta mais não
Distante da terra
Tão seca mas boa
Exposto à garoa
A lama e o paú
Faz pena o nortista
Tão forte e tão bravo
Viver como escravo
No norte e no sul
Meu deus, meu deus